Je suis Dilma

Artigo publicado na Gazeta do Povo de Curitiba, seção Opinião, coluna Flavio Quintela, em 16 de março de 2017.

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Eu moro há três anos nos Estados Unidos e falo inglês com fluência. Aliás, a língua inglesa sempre foi uma de minhas paixões, tanto que fui franqueado de uma rede de ensino de idiomas por quase dez anos no Brasil. Além disso, trabalhei em várias multinacionais americanas, onde volta e meia tinha de desfiar o idioma saxão em telefonemas e reuniões. E eis que, mesmo com esse histórico, ainda não me sentiria à vontade para dar uma entrevista em inglês. Seria certamente algo que me tiraria o sono na noite anterior.

Mas com Dilma Rousseff tudo é diferente. A ex-presidente, apesar de sua “heterodoxia” ao se comunicar em sua língua-mãe, resolveu que seria uma boa ideia conceder entrevista em francês durante sua recente viagem à Suíça. O resultado não poderia ter sido mais previsível: Dilma envergonhou o Brasil novamente. Se já andava na corda bamba ao discursar em português, misturando cachorros ocultos com crianças, estocando vento e fazendo poesia moderna com pasta de dente, em francês ela cruzou fronteiras. Nem mesmo os grandes comediantes que passaram por este planeta conseguiriam superar o esquete da dentuça francófona.

Ser ridículo é uma decisão pessoal, sempre. O problema de Dilma é, por algum capricho do divino, ter conseguido um dia ser eleita e reeleita presidente de um país com mais de 200 milhões de habitantes. Ou seja, ela faz parte de um grupo seleto de pessoas – e que fique claro que, no Brasil, ele é seleto apenas por seu diminuto tamanho e não pela qualidade de seus integrantes – e essa membresia, por assim dizer, requer uma etiqueta específica, completamente ignorada por ela. Dilma não só pisoteou o idioma alheio; ela o fez para transmitir uma mensagem inadequada e mentirosa, enlameando de vez sua já manchada história. Seguindo a linha “Napoleão de hospício”, a ex-presidente usou seu tempo de entrevista para denunciar um complô antidemocrático em curso no Brasil, cujo objetivo principal seria impedir a candidatura de Lula à Presidência em 2018. Tivesse mais alguns minutos e conhecesse mais algumas palavras do francês, Dilma poderia ter abordado a questão dos alienígenas que já vivem entre nós ou defendido que a Terra é, na verdade, plana. Sua opção foi, claramente, pelo maior dos três absurdos.

Ironicamente, poucos dias depois do vexame na Suíça, Dilma e Lula apareceram juntos em mais uma notícia: a divulgação da lista de Janot. Os dois ex-presidentes constam neste grupo não tão seleto de criminosos em potencial, ao lado de outros estrupícios como Aécio Neves, Aloysio Nunes, Antônio Palocci e Guido Mantega. A famigerada lista expõe o horror que é a política brasileira e nos deixa com a sensação de que estamos andando em círculos, em que o próximo escândalo é apenas uma versão mais recente da falcatrua anterior. Seu autor acertou em cheio quando disse que a democracia foi tomada pela corrupção no Brasil. Meu temor é que essa realidade seja irreversível em virtude de a corrupção estar tão alastrada e amalgamada na estrutura de poder que temos hoje. Nossa política se assemelha demais a uma casa condenada. Não há reforma que resolva; ao mesmo tempo, não há quem decida demolir a porcaria toda.

Para Dilma, restou um consolo: sua vergonhosa entrevista não é páreo para a maior das vergonhas brasileiras, a de sermos um povo governado por bandidos. Nem tentando falar japonês ela ganharia dessa.

Flavio Quintela é escritor, jornalista e tradutor. É autor dos livros “Mentiram (e muito) para mim” e “Mentiram para mim sobre o desarmamento”.

Vergonha? Muito pelo contrário.

200470473-001Faz exatamente uma semana que escrevi um artigo que mudou o curso deste blog. Foram mais de 10 mil visualizações e dezenas de comentários, todos de pessoas que se identificaram com um sentimento comum: a solidão resultante da busca pela verdade. Mas o que eu não incluí naquele artigo foi um outro efeito colateral bastante comum, ainda mais em épocas de mídias sociais, onde nossas opiniões chegam a tantas pessoas em tão pouco tempo: a perda de amigos e conhecidos única e exclusivamente por conta de nossas opiniões manifestas publicamente.

Aqui em casa o fenômeno não é incomum. Já fomos eliminados do círculo social de inúmeras pessoas por causa de nossas opiniões, incluindo parentes, colegas de trabalho e “amigos” – entre aspas porque, para mim, um amigo verdadeiro não corta relações por causa de opiniões divergentes. Enfim, quem diz o que pensa, ainda mais quando pensa fora do ordinário ruminado pelas massas, acaba colhendo inimizades.

Mas aonde quero chegar? A um post que um bom amigo, sem aspas, publicou ontem. Disse ele assim:

Meu sincero agradecimento à “jornalista” Sheherazade e aos “justiceiros” do Flamengo. Nunca li tanta idiotice e hipocrisia no facebook desde os últimos acontecimentos.

Ser contra um partido corrupto é comigo mesmo. Ser contra a violência urbana, eu também sou. Mas ler amigos meus, com formação e educação, defendendo tipos como Ratinho e Bolsonaro, sendo a favor da tortura e conclamando os “bons tempos da ditadura” é demais! Há inúmeros problemas no nosso país e NENHUM deles será resolvido com barbárie e ignorância. Sinto muito, caros amigos, mas o comportamento de vocês (não é uma indireta, é uma DIRETA a todos que postaram apoio a tais atos e indivíduos) é VERGONHOSO.

Um pouquinho mais de consciência, por favor…

Embora ele não tenha me marcado no post, tenho certeza de que a direta foi para mim também. Afinal, quem olhar a linha do tempo de meu facebook vai encontrar todas as referências que ele fez: Rachel Sheherazade, Ratinho e Bolsonaro. Eu poderia responder a meu amigo ali mesmo no post dele, mas achei que seria muito oportuno escrever um artigo inteiro, dado que muitos dos leitores deste blog poderão tirar proveito desta experiência. E é sem nenhuma vergonha que o faço, muito pelo contrário.

  • Vergonhoso não é apoiar Rachel, e sim deixá-la sozinha sob uma torrente de críticos canalhas. Chamá-la de jornalista entre aspas, como se ela não o fosse, é unir forças com a mídia esquerdista, que trata Rachel como se ela fosse uma leprosa. A resistência aos ímpetos autoritários esquerdistas presentes hoje na imprensa brasileira está sendo feita, na televisão, por pouquíssimas pessoas, dentre elas a referida jornalista e Paulo Eduardo Martins, os que mais sofrem ataques. Além do mais, não deveria ser preciso repetir tantas vezes que ela jamais disse que os atos ocorridos no Rio eram justificáveis, mas sim compreensíveis. Tomar tal declaração como incitação ao crime configura ou falta de capacidade de interpretação ou intenção deliberada de sujar a imagem da mesma.
  • Vergonhoso não é aplaudir o senhor Carlos Roberto Massa por sua fala inspirada, onde prega em rede nacional que a polícia tome as rédeas contra os criminosos. Vergonhoso é descartar qualquer manifestação de uma pessoa simplesmente por achar que a mesma não é digna de ser ouvida. Ninguém é passível de ser julgado somente por seus atos maus. Se fosse assim, não poderíamos tirar proveito de nada do que foi dito ou escrito na história humana, pois mesmo os grandes filósofos também usaram sua cota de besteiras. Por outro lado, mesmo assassinos psicopatas como Lênin tiveram algo positivo na vida. Este, por exemplo, não pode ser recriminado por não ter se aproveitado, pessoalmente, das riquezas materiais que sua posição proporcionava, como o fazem nossos governantes, que se locupletam com o dinheiro público. Da mesma forma, seriam as palavras do Ratinho desprezíveis, somente porque em outras oportunidades ele possa ter agido fora do esperado? Não, se ele usou de sua influência, audiência e poder midiático para passar uma mensagem correta, eu o aplaudo. E quando ele diz em seu programa que “tem que baixar o pau nesses baderneiros”, não poderia ser mais correto: a polícia não pode, em hipótese alguma, tratar criminosos como gente do bem. É impossível combater o crime sem repressão, ainda mais em nosso Brasil de 50 mil mortes violentas por ano. Violência não se combate com amor e carinho.
  • Vergonha não é apoiar Jair Bolsonaro, uma das pouquíssimas vozes que se colocam abertamente contra o governo autoritário do PT. Vergonha é tachá-lo de torturador, sendo que o mesmo jamais participou de tais práticas, e tentar colar sua imagem à ditadura, como se a mesma tivesse sido o pior dos males da história brasileira. Bolsonaro é contra as cotas raciais? Eu também. Bolsonaro é contra a histeria e o circo montados sobre a homofobia? Eu também. A esquerda brasileira cumpre à risca todas as estratégias de desestabilização social, sendo a mais eficiente delas a divisão da população em grupos que se odeiem mutuamente – negros e brancos, gays e héteros, índios e colonizadores, pobres e ricos, sem terra e com terra, e assim por diante. Bolsonaro é contra isso? Eu também. Por isso não tenho vergonha de postar seus vídeos, especialmente este em questão, onde ele ataca o PT e defende a médica cubana que desertou do regime assassino Castrista. E por fim, vergonha é ter Jean Wyllys, atual nêmesis de Bolsonaro, como deputado; esse sim um canalha incitador de ódio, eleito com uma votação menor que a de um vereador de cidade pequena, devido à aberração que é o sistema político brasileiro.

Em qual país as pessoas pensam que estão vivendo? Falam da ditadura com o ranço esquerdista, se esquecendo que os mesmos vagabundos covardes que fugiram daqui fazem de tudo, nos dias de hoje, para tolher a liberdade de expressão, e se colocam ao lado de bandidos. Não é assim que faz Chico Buarque, quando luta contra a livre direito de se publicar biografias, e se veste de Black Bloc em flagrante apoio a tal “movimento”? Não houve, durante o período militar, um caso sequer de censura que chegasse aos pés do que vivemos hoje no Brasil. Hoje a situação é muito pior – naquela época as regras da censura eram claras, e hoje a censura se dá por meio de juízes esquerdistas que interpretam a lei a seu bel-prazer, certos de que, ao tomarem uma decisão anti-democrática, mas que vá ao encontro da ânsia petista por controle, manterão seus cargos vitalícios, e ainda serão aplaudidos e reconhecidos. Isso significa que eu seja a favor da censura? Jamais! Significa somente que não adianta ficar olhando para o acidente pelo vidro de trás do carro, e se esquecer da tragédia que se mostra à frente. O que vem por aí é muito pior do que qualquer coisa que tenhamos passado em nossa curta história como país independente.

Uma outra observação interessante é a de que os militares jamais aparelharam os órgãos públicos e a imprensa com os seus pares. Pelo contrário, deixaram abertas as posições mais importantes, as do setor educacional e midiático, para serem ocupadas por esquerdistas, que então montaram durante três décadas o que vivemos hoje. Esse foi um erro monumental, que deixou todo o aparato cultural brasileiro nas mãos da esquerda. Não preciso falar dos resultados dessa política suicida do general Golbery – estamos na maior crise intelectual e moral da história brasileira.

Para terminar a argumentação, quero citar Sófocles, sobre a consciência:

Não existe testemunha mais terrível – acusador mais poderoso – do que a consciência que habita em nós.

Não me envergonho de nada que escrevi, tanto que tudo continua no mesmo lugar, com os mesmos links, pelo menos até que a ditadura petista resolva começar a tirar os blogueiros e colunistas de direita do ar. Minha consciência não me acusou, mesmo tendo testemunhado, lido e relido tudo o que escrevi. Não creio que tenha perdido mais um amigo, pois já tive muitas discussões com esse que escreveu o texto lá de cima, e sempre conservamos a boa amizade. Mas a oportunidade que ele me deu de me questionar e escrever tudo isso é tal que cabe o agradecimento.

Merci, mon ami.